3º dia: Serra da Estrela
Aventuras > A conquista da Torre
VALE ROSSIM - MANTEIGAS - TORRE - GOUVEIA
Distância: 80 Kms
Desnível: 1838 mt
Alvorada de novo pela fresca. Aqui era realmente pela fresco já que o nevoeiro era extremamente denso, as árvores pingavam a água acumulada pela chuva e o vento fazia-se sentir. Carga acondicionada, agora com a preocupação de evitar molhar o saco cama e o colchão, e pela primeira vez este ano o recurso às protecções dos alforges para este tipo de tempo.
Quando sai do parque as duvidas eram mais que as certezas. Qual o trajecto a seguir?
Existiram alguns dados que me auxiliaram a decidir:
- Não tinha dinheiro e neste local não existia a possibilidade de recurso a pagamento por multibanco ou qualquer outro meio electrónico. Não tinha por isso possibilidade de tomar o pequeno almoço. Este facto e o denso nevoeiro eliminavam a opção de utilizar a estrada florestal. Enfrentar frio e terreno desconhecido e não marcado, com estas condicionantes era uma imprudência que não cometeria. Utilizar o acesso pelo Sabugueiro, só se não fosse possivel o acesso por Manteigas. Aqui funcionou o único contacto que tinha com Manteigas, o nº telefone dos B.V. Manteigas. Após contacto fique a saber que a estrada se encontrava aberta à circulação. A opção estava tomada, descida a Manteigas, levantamento de dinheiro no Multibanco e tomar pequeno almoço antes de iniciar a subida.
Aquilo que ontem demorei quase 4 horas a fazer, agora foi percorrido em poucos minutos. Bom, com recurso a um atalho que me tinham indicado e que me conduziu até ao campo de futebol local. Antes tinha parado mais uma vez junto ao miradouro da Pousada para ver a paisagem que agora apenas tinha uma ligeira fonte de fumo. A chuva que caiu durante a noite tinha auxiliado os bombeiros. Em Manteigas, depois de levantar dinheiro (que alivio) pude finalmente tomar o pequeno almoço. Entrei num modesto e simples café onde pedi uma sandes para comer e duas para levar (não fosse ser necessário). A sandes que comi junto com o galão estava muito boa e o preço final foi uma agradável surpresa. Alguma conversa sobre os quilómetros que era necessário percorrer até à Torre e do estado da estrada que agora estava em perigo eminente de derrocada, já que as árvores e raízes que suportavam as rochas, agora estavam queimadas. Este foi um dos maiores argumentos para o cancelamento deste percurso da Volta.
A saída de Manteigas é a zona de maior dureza em termos de ascendente, pelo menos até à zona onde superior aos viveiros de trutas. Algumas centenas de metros mais à frente comecei a aperceber-me dos estragos provocados pelo incêndio do dia anterior, melhor que as minhas palavras são as fotos (poucas) que realizei. A dado momento comecei a ouvir o barulho de moto-serras mais acima, nesta zona de floresta quase é necessário utilizar equipamento de alpinista para aceder ao seu interior. Aquilo que me preocupava era ver a serra totalmente desnudada e o ar ameaçador das grandes rochas. Inclusivamente algumas vezes encontrei pedras que tinham caído da serra e agora ocupavam a faixa de rodagem. Embora de tamanho reduzido, seriam suficientemente grandes para caso chocassem com as rodas da bike causar problemas mecânicos nas mesmas. Mais à frente entendi o barulho das moto-serras, eram os bombeiros no trabalho de rescaldo nesta área. A temperatura tinha subido desde Manteigas e o nevoeiro deu lugar a um céu azul. No entanto o vento, mesmo não sendo muito forte, neste local totalmente queimado, fazia levantar cinzas que se entranhavam nas narinas e garganta e incomodavam os olhos. O cheiro a madeira queimada, as pedras que delimitam a estrada tinham desaparecido obrigando a redobrada atenção aos efeitos do vento já que uma falha de condução provocaria uma queda vertical e o asfalto negro e derretido nos locais onde o fogo a cruzou, apenas me recordavam um filme de guerra depois de um bombardeamento.
Quase no cruzamento junto da estação de limpeza de neve, parei num posto de venda de produtos da serra. Perguntei se existia mel num pequeno recipiente. Foi-me apresentado um frasco de 500g que me pareceu grande. Como não existia outra alternativa aceitei. Depois questionei de não existia pão e a resposta foi positiva. De imediato fiz ali mesmo uma sandes de mel. Sim, para alguns isto é impensável mas, acreditem que é um forte “doping” numa circunstancia como a que estava a atravessar. Depois de alguma conversa onde os incêndios foram o tema principal segui viagem. A estrada que se visualizava pela serra acima era assustadora. Iria conseguir subir todo este trajecto com uma bicicleta pesadíssima? Olhei para o relógio e pensei: tenho muito tempo.
Nunca me ocorreu que fosse ser tão divertido subir à Torre neste dia. Já existiam muitas pessoas a ocuparem o melhor lugar para verem passar os ciclistas, a fazerem verdadeiros piqueniques na beira da estrada. Ver as suas caras completamente estupefactas quando viam alguém a pedalar numa bicicleta com um selim anormalmente alto e ainda por cima com a “casa” carregada na bike, deixou muitos sem palavras. No entanto também foram muitos que me motivaram, me ofereceram comida e bebida, se ofereceram para me empurrar serra acima, só visto... Muito divertido.
As indicações quilométricas da Volta forneciam uma informação adicional para mim, tinha agora um dado sobre a distância a percorrer até ao destino. A 2 quilómetros do cruzamento da Torre entrei num nevoeiro de tal forma denso que parei e guardei a toalha que até ai vinha no topo da carga a secar e vesti o limitado casaco guarda-vento que dispunha, acendi o pequeno farolim que tinha na traseira da bike e vesti o colete reflector. A visibilidade era de facto muito reduzida e o frio fazia-se sentir. O local de contagem de montanha era coincidente com a estrada que dava acesso à Torre. Neste pequeno percurso não conseguia ver mais que 2/3 metros em redor. Quando cheguei à rotunda pensei que a torre seria o marco que existe no meio... só depois é que andando um pouco mais vi a Torre. Foto da praxe e entrei no café/restaurante que ai existe. Um galão quente e um folhado com chocolate quente fizeram acalmar o frio. Antes de voltar a sair para a rua enviei alguns sms para amigos a dizer que tinha conquistado a Torre. Na saida cruzei-me com um homem que me disse ter ligado Paris a Lisboa de bicicleta e achava estranho a minha bike ter o selim tão alto. Depois de lhe explicar o motivo, este disse que gostaria de tirar uma foto comigo... porque não?
Agora estava num frigorifico aberto a todos os que aguardavam a passagem da Volta, tal era a temperatura neste local. Tremi como já não fazia à muitos anos, inclusivamente cheguei a pensar retirar o saco-cama da bike e enfiar-me dentro. Mas isso causaria uma diferença de temperatura que seria perigosa quando iniciasse a descida. Assim, não restou outra alternativa que não fosse vestir mais uma t-shirt e procurasse abrigo junto da viatura da organização da Volta. Aliás todo o serviço de colocação de publicidade era realizado por espanhóis e as viatura utilizadas também tinha matricula deste país. Era estranho ver publicidade da PRP (Prevenção Rodoviária Portuguesa) em viaturas de matricula espanhola. É a força da globalização...
Os primeiros ciclistas da Volta chegaram ao topo serra com uma “frescura” que me impressionou. Após passarem a meta do Prémio de Montanha, rapidamente colocavam jornais no peito de forma a atenuarem o frio. Fiquei apreensivo só de pensar como seria a descida destes homens com um nevoeiro externamente denso e estrada molhada. Depois de passar toda a caravana da Volta, também eu iniciei a descida até ao Sabugueiro. Cheguei a atingir quase 60km/h. No Sabugueiro perguntei qual a estrada mais directa para Gouveia. Já tinha saído da localidade e nunca mais encontrava essa estrada que me indicavam e não via ninguém que me confirma-se este dado. Uma motorizada vinha em sentido contrario e resolvi fazer sinal ao seu condutor. Perante a pergunta respondeu:
- Segue nesta estrada e quando começar a descer vira à direita. Depois vira logo à esquerda direcção a Gouveia.
Alguns metros mais à frente encontrei o primeiro cruzamento e comecei a subir. O nevoeiro voltava de novo. Os condutores dos poucos carros que cruzaram comigo, olhavam como se de um fantasma se tratasse. O pior era que já estava cansado de subir desde o primeiro cruzamento e nunca mais chegava ao próximo. O nevoeiro era de tal forma cerrado que apenas sabia se estava a descer ou a subir quando a força a aplicar nos pedais aumentava ou aliviava. A fraqueza começou a dar sinais, por isso parei para comer. A única coisa que se via em redor era um espesso manto branco. Não fosse este facto e teria feito sinal a um carro para parar e perguntar se faltava muito para o tal cruzamento, mas fazer isso com este nevoeiro... Mais algum tempo a subir e finalmente encontrava o ansiado cruzamento, 7 km depois do anterior!! “... depois vira logo à esquerda...” Pois!!! Já conhecia esta característica nos Alentejanos, mas aqui??!!!
Já fazia a descida para Gouveia e de novo sem nevoeiro, o que possibilitava uma boa velocidade. Boa, é uma palavra suave para as velocidade que atingi.
Entrada em Gouveia e sem prever, atravessei em sentido contrario a meta que algum tempo antes os ciclistas tinham concluído a etapa do dia. Apercebi-me da enorme quantidade de camions TIR que são necessários para transportar todo o aparato da Volta. Procurei o edifício da C. M. Gouveia e pedi a um jovem para tirar aquela que seria a ultima foto destes dias pela Serra da Estrela.
Fica a vontade de voltar...